Os bilionários estão nus. No cinema e na TV, produções como Succession, White Lotus (HBO) e O Menu (Star+) vem ganhando relevância por mostrar as incoerências dos “super-ricos”. O universo paralelo dos 1% mais ricos que concentram 38% de todo o dinheiro do mundo está sendo satirizado por produções premiadas nos últimos anos.
Em um mundo cheio de incoerências, o luxo, a riqueza e a miséria – humana, neste caso – estão sendo expostas. Por outro lado, vemos também uma crescente constatação desta desigualdade econômica e social. Um dos principais fatores é o aumento da conscientização pública sobre o problema, graças ao trabalho de ativistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil. Esses grupos têm se concentrado em divulgar informações sobre a extensão das desigualdades sociais e sobre as formas pelas quais elas impactam a vida das pessoas em todo o mundo.
MAS O QUE ISSO TEM A VER COM AS MARCAS?
Esse movimento de exposição da riqueza significa que os sonhos e ambições dos consumidores estão mudando. A resposta, ao que tudo indica, está na discrição. Para enfrentar a onda de criticismos, a indústria começa a se apropriar de uma estética em alta nos últimos anos: o minimalismo.
Em vez de peças chamativas e ostensivas, os produtos de alto luxo estão cada vez mais focando em um design atemporal e discreto, na simplicidade elegante, dos materiais ecológicos e de qualidade. Essa estética também se reflete nas experiências premium – em hotéis e restaurantes, por exemplo –, que optam cada vez mais pela simplicidade e sofisticação, em vez dos excessos e extravagância.
Esse movimento está sendo apelidado de Quiet Luxury. Esqueça os logos espalhados por todo canto, a marca A, B ou C. Esse movimento é uma resposta ao “luxo barulhento”, e encontra na discrição uma forma de garantir ao consumidor uma sensação de exclusividade.
O movimento tem gerado burburinho. Em uma pesquisa divulgada pela grife Karen Millen, as pesquisas no Google relacionadas à Quiet Luxury e “Old Money Aesthetic” cresceram 568% e 373%, respectivamente. Marcas em todo o mundo estão chamando a atenção para esse movimento estético fundado no minimalismo e na “riqueza ancestral”.
A norte-americana Hunting Season, por exemplo, vende bolsas e acessórios sofisticados feitos a partir de técnicas artesanais milenares em Bogotá, na Colômbia – todos em tons neutros que remetem à simplicidade do passado. Já a italiana Loro Piana, famosa por seus cardigãs de lã fina, levou a Quiet Luxury para vestir o time de futebol Juventus, como ternos e Sweater Jackets.
O QUIET LUXURY TUPINIQUIM
Embora essa seja uma questão a ser enfrentada pela publicidade como um todo, a situação é mais complicada para o mercado masstige.
As marcas masstige são aquelas que unem o apelo e os preços da “massa” ao “prestígio” do luxo. Elas podem se apresentar de três maneiras:
- As grandes grifes e marcas de luxo criam produtos mais acessíveis como um perfume, um chaveiro, ou um porta-batons;
- Marcas de massa criam linhas premium ou gourmets para atender públicos mais seletos;
- Marcas que já nascem masstige, oferecendo produtos/serviços de massa (alimentos, bebidas, cortes de cabelo) por preços mais elevados para gerar a ideia de prestígio.
Tradicionalmente, todo o conceito do masstige gira em torno do apelo que o luxo, o status e a aparência de riqueza têm para o consumidor. Mas a estética do Quiet Luxury levanta algumas dúvidas para esse setor. No futuro, qual será o apelo dos produtos premium? Como vender a ideia do luxo para consumidores que estão contestando ou se envergonhando desse estilo de vida?
Um exemplo de marca masstige que adota o conceito de Quiet Luxury é a brasileira Insider, fundada por Carol Matsuse e Yuri Gricheno. A marca é conhecida por suas roupas e acessórios minimalistas, de alta qualidade e com “designs funcionais”. Em vez de usar logotipos ou estampas chamativas, a Insider se destaca pela atenção aos detalhes e construção dos produtos, mesclando tecnologia têxtil e sustentabilidade. A marca lança mão dessa estética para criar uma atmosfera de exclusividade e sofisticação.
O uso dessa estética, que antes apenas excluía, passa a ser uma forma de se sentir chique, mas não excludente ou excluída. Lojas de departamento, como a Zara, já passaram a fazer uso do minimalismo luxuoso para se adequar a popularização desse novo universo estético.
AS VÁRIAS FORMAS DE CONSUMIR
O que vemos é o surgimento de um consumidor cada vez mais reflexivo, criterioso, que faz escolhas ambíguas e complexas, muito além da simples funcionalidade de um produto. O consumidor do futuro não se satisfaz apenas com um logo, mas como seu consumo se insere no meio desse caldo cultural que coloca em contestação o que ele mesmo consome.
As marcas precisam ficar atentas para as mudanças comportamentais dos seus consumidores. Embora grifes tradicionais ainda apostem – e façam muito sucesso – com seus monogramas e estampas ostensivas, a estética do Quiet Luxury representa algo além do simples minimalismo. Ela é uma resposta as provocações de uma sociedade que começa a ver exposta a vida – antes secreta – dos bilionários, ao mesmo tempo em que a desigualdade provocada pela concentração de renda está ainda mais visível.
Neste sentido, a estratégia do masstige desliza em uma fina camada de gelo, que corre o risco de quebrar ao qualquer momento. Conhecer as aspirações dos consumidores é fundamental para saber exatamente qual a força, pressão e velocidade para caminhar nesta pista instável que é a sociedade contemporânea.